Como se tornar um oligarca

Suponhamos que você gostaria de se tornar uma das pessoas mais ricas do planeta. Dona de uma riqueza colossal e com acesso aos mais altos escalões do poder político

29/05/2014 – Valor Econômico

Por Simon Johnson

Suponhamos que você gostaria de se tornar uma das pessoas mais ricas do planeta. Dona de uma riqueza colossal e com acesso aos mais altos escalões do poder político. Essa não é uma aspiração absurda para qualquer recém-formado no ensino superior nas atuais economias baseadas no favorecimento aos já dominantes. Mas qual é o seu grau de realismo?

Você poderia ter uma boa ideia de uma nova tecnologia com uma demanda potencialmente generalizada. De posse das credenciais certas e de alguma sorte, poderia atrair investimentos de um fundo de capital de risco. Muitos desses fundos não dão certo; mas - especialmente nos Estados Unidos - essas empresas de crescimento acelerado financiadas por ações são altamente estimuladas.

Senão, você poderia emitir grande quantidade de dívida. Essa pode parecer uma ideia estranha, no período imediatamente posterior a uma grande crise financeira estimulada por dívidas, e com muitos mutuários ainda devendo somas maiores que o valor da casa na quitação de crédito imobiliário (devem mais do que o valor da casa, mesmo os que ainda conseguem efetuar os pagamentos mensais). De qualquer maneira, até o grau em que qualquer recém-formado americano pensa sobre dívida, é no contexto de saldar o crédito educativo.

Mas um livro novo, "Private Equity at Work", de Eileen Appelbaum e Rosemary Batt, explica exatamente como algumas pessoas se tornaram imensamente ricas por meio do arguto uso estratégico de dívidas.

Os autores apresentam uma avaliação ampla, detalhada e clara do "private equity" - negócio que consiste em investir em empresas consagradas por meio de compras, financiadas por dívidas, de participações controladoras. (Os capitalistas de risco, por sua vez, apoiam pequenas novas empresas quase inteiramente por meio de ações). E Appelbaum e Batt são cuidadosos em destacar que muitas empresas de private equity trazem melhorias de gestão ou outros ganhos de eficiência para as companhias que fazem parte de sua carteira.

Mas alguns dos maiores fundos - na verdade, a maioria das bandeiras do setor - empregam o inteligente artifício de avalizar os títulos que emitem com garantias pertencentes à empresa que compram. Isso se assemelha um pouco à compra de uma casa. Um banco ou originador de crédito imobiliário empresta ao comprador uma grande quantidade de dinheiro, que tem a casa como garantia. Em outras palavras, se o mutuário deixa de pagar as prestações a tempo, a instituição pode privá-lo do direito de quitar o empréstimo e se apoderar do imóvel.

Mas existe uma grande diferença entre a maneira de operar de um private equity e a maneira pela qual uma família compra uma casa. Apenas pequena parte da propriedade das ações adquiridas por qualquer fundo de private equity provém de dinheiro fornecido pelos sócios, que fundaram e operam o fundo. A maior parte do capital acionário é captada junto a investidores externos.

A estrutura de comissões nesse arranjo total é de tal forma que as pessoas que administram o fundo de private equity querem deter o maior número de títulos possível; isso aumentará a maneira pela qual os retornos positivos são calculados, e esse fator, por sua vez, é o principal impulsionador da remuneração que os sócios "gerais" controladores podem receber. Mais títulos, naturalmente, também significam mais risco; mas esse não é um setor concentrado primordialmente em retornos indexados ao risco.

Se a companhia não conseguir fazer seus pagamentos de juros, seus ativos terão de ser vendidos ou suas atividades serão reduzidas. Mas, ao contrário do caso do mutuário, não é uma parte muito grande desses custos negativos que recai sobre o sócio geral.

Além disso, existem várias outras comissões - cobradas para as empresas de portfólio e os investidores - que estimulam ainda mais os altos níveis de endividamento. O código fiscal americano permite que os pagamentos de juros sejam deduzidos como gasto da empresa; não há permissão equivalente para pagamentos a investidores em ações.

Appelbaum e Batt documentam com nível impressionante de detalhe a maneira pela qual os fundos de private equity de primeira linha conseguiram ganhar altos retornos e um enorme patrimônio para seus fundadores, sem necessariamente ajudar as empresas nas quais investiram. O interessante é que, quando os retornos são medidos corretamente, os sócios externos "limitados" de private equity - como fundos de pensão, seguradoras e fundos de gestão de doações a universidades - também não necessariamente se saem tão bem.

No entanto, antes de os recém-formados acorrerem para a private equity, é bom que saibam que apenas os fundos muito grandes podem usar dívida mobiliária para canalizar dessa maneira retornos para os participantes internos, principalmente porque só eles conseguem captar o capital necessário para comprar companhias consagradas ricas em ativos fixos e, portanto, em garantias potenciais. Fundos de private equity menores geralmente compram participações em companhias mais novas, menores, desprovidas desses ativos fixos e a alavancagem nessas operações é proporcionalmente menor.

Os órgãos reguladores despertaram recentemente para os incentivos ao excesso de alavancagem nesse setor- e para os riscos que essa alavancagem representa para as instituições de crédito e para a economia como um todo. Não surpreende que as grandes empresas de private equity pareçam determinadas a ignorar ou a contornar as novas restrições. Enquanto a discussão sobre essa questão se acalora, na esfera da formulação de política pública, esperamos que todos os participantes fiquem mais bem-informados pela leitura de "Private Equity At Work".

Se a pessoa de seu círculo de relações possuir os contatos necessários para ingressar num fundo muito grande, de bandeira conhecida, de private equity, o caminho para um imenso patrimônio, para a influência política ou até para o poder ficará muito mais claro. Sem esses contatos iniciais, no entanto, é muito pouco provável que ela se torne um(a) oligarca. Mas você já sabia disso. (Tradução de Rachel Warszawski)

Simon Johnson foi economista-chefe do FMI e cofundador do blog sobre economia www.BaselineScenario.com, é professor da MIT Sloan, membro sênior do Instituto Peterson para Economia Internacional e coautor de "White House Burning: The Founding Fathers, Our National Debt, and Why It Matters to You". Copyright: Project Syndicate, 2014.

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