Previdência (IV): capital acumulado

"A previdência nunca pode ser considerada como uma mera questão matemática, mas não podemos esquecer que ela é também uma questão matemática"

12/11/2014 – Valor Econômico

Por Fabio Giambiagi

Nesta série de artigos que estou escrevendo para explicar a necessidade de os fundos de pensão do país se adaptarem a uma realidade de juros estruturalmente inferiores aos que vigoraram nas primeiras duas décadas da estabilização, no primeiro "capítulo" tratamos do cálculo da contribuição para um determinado objetivo de renda complementar; no segundo calculamos a renda complementar como função da contribuição, no terceiro fizemos um exercício para calcular quanto se precisa acumular para ter uma aposentadoria X e hoje iremos mostrar que montante se acumula para dado valor de depósitos em função de diferentes períodos de contribuição e taxas de juros.

O objetivo destes artigos é explicar por que o indivíduo que aspira a ter um certo padrão de vida na aposentadoria deve se preparar, em um cenário de juros inferiores aos que prevaleceram na maioria dos anos posteriores a 1994, para uma mudança das regras de cálculo do seu benefício - notadamente, um aumento das contribuições.

Quando inquirido, nos quase 25 anos que tenho de dedicação à temática previdenciária, acerca de se eu não consideraria que a previdência tem que ser encarada sob uma ótica social, sempre respondo que "a previdência nunca pode ser considerada como uma mera questão matemática, mas não podemos esquecer que ela é também uma questão matemática". A ideia de alguns colegas de profissão de que o cálculo da aposentadoria de um conjunto massivo de indivíduos se resume a uma conta atuarial é tão ingênua quanto imaginar que o sistema político pode ignorar os limites definidos pelo rigor dos números. A aritmética e a política precisam aprender a caminhar de mãos dadas neste tema.

A maioria dos leitores tem provavelmente algum parente ou conhecido que se aposentou fazendo jus a algum plano de benefícios associado a rendas que excedem o teto do INSS e manteve, "grosso modo", o seu padrão de consumo da época em que estava na ativa, contribuindo com uma certa proporção do seu salário. Isso se deu em um contexto em que as taxas de juros eram, de um modo geral, estratosféricas, em uma fase muito particular da economia brasileira, dadas as condições que vigoraram no país durante aproximadamente duas décadas, nos anos 90 e nos primeiros anos do século XXI. A boa notícia é que juros tão altos como aqueles pertencem, tudo indica, ao passado. A má notícia é que, exatamente por isso, a aritmética será implacável e de duas uma: 1- as pessoas terão que contribuir mais, seja aumentando as contribuições pelo mesmo número de anos ou mantendo as contribuições, mas por um período maior, ou, alternativamente 2- a renda complementar cairá em relação ao passado.

Quando uma pessoa separa uma parte do seu rendimento mensal e a cada 30 dias faz uma aplicação num fundo de pensão, o que ela acumulará quando chegar o momento de se aposentar irá depender de três fatores. O primeiro, obviamente, é o valor da sua contribuição mensal. O segundo, o número de anos ao longo dos quais terá feito essas aplicações. E o terceiro, a taxa de juros que remunerará seu capital. Quem deposita R$ 100 em um mês, terá R$ 100 um mês depois se o juro for nulo ou R$ 101 se o juro for de 1 % ao mês. Essa diferença, irrisória para valores pequenos referentes a um mês, torna-se gigantesca quando incidente ao longo de 30 ou 35 anos.

A tabela (não publicada nesse formato) dá uma pista do efeito cumulativo dessas pequenas diferenças. Ela considera depósitos mensais de R$ 1.000 e, para facilitar, não computa os efeitos das taxas de administração que de fato são cobradas pelos fundos de pensão. Ela capta o que um indivíduo pode acumular se fizer uma aplicação individual, com diferentes taxas de rendimento.

Assim, um indivíduo que comece a aplicar todos os meses, 12 vezes por ano, a quantia acima mencionada e que se aposente aos 60 anos, terá acumulado, após 40 anos de investimentos, R$ 1,9 milhão, se a taxa de juros real for de 6% ao ano. O seu capital, porém, será de "apenas" R$ 1,2 milhão se a taxa de juros cair para 4 %. Ou seja, se quiser acumular o mesmo montante para enfrentar uma velhice confortável, terá dois caminhos a seguir: contribuir mais a cada mês ou fazer depósitos por mais tempo.

Aqueles que temos o privilégio de pertencer às categorias de rendimento mais elevado precisamos nos preparar para essa realidade: com juros menores, teremos que contribuir mais. Quem não entender isso, terá uma perda de capacidade financeira ao se aposentar.

Fabio Giambiagi, economista, coorganizador do livro "Economia Brasileira Contemporânea: 1945/2010" (Editora Campus), escreve mensalmente às quartas-feiras. E-mail: fgiambia@terra.com.br.