Sim, a crise também é econômica

Brasil terá que levar adiante uma vigorosa agenda de reformas, inclusive em campos bastante sensíveis

03/03/3015

Jorge Arbache

Que o Brasil está passando
por uma grave crise,
disso poucos duvidam.
As discordâncias começam
quando procuramos entender
a natureza da mesma. Para
muitos políticos e analistas, a
crise é, sobretudo, política. De
uma forma tácita ou expressa, a
economia requer mais ajustes
que reformas para voltar aos trilhos
e recuperar a confiança dos
investidores, minimizam eles.

Esta percepção de que os nossos
problemas econômicos seriam
pontuais e passageiros parece
ter sido influenciada pelas
condições econômicas e sociais
de anos recentes. De fato, a década
de 2000 foi abundante de boas
notícias externas — os preços das
commodities dispararam, aumentou
significativamente o
nosso acesso ao mercado de crédito
internacional e recebemos
muito mais investimentos estrangeiros
diretos. No plano interno,
introduziram-se políticas de aumento
do salário mínimo real, de
ampliação dos programas sociais
e de expansão do crédito interno
e dos gastos públicos.

No topo daquele ambiente
econômico foram acrescentados
os impactos da maturação da
transformação demográfica no
mercado de trabalho pelas vias
da rápida desaceleração da taxa
de crescimento da população
em idade ativa.

Juntas, aquela conjunção de
fatores — choques externos favoráveis,
políticas públicas expansionistas
e mudança demográfica
— promoveu a valorização
cambial, impulsionou o mercado
interno e aumentou o emprego
e a renda do trabalho, com
grandes impactos na pobreza e
na desigualdade. Ao final, havia
no ar uma sensação generalizada
de enriquecimento e fartura.
Muitos analistas, do Brasil e do
exterior, concluíram, precipitadamente,
que havia chegado a
nossa hora. O bom humor era
tanto que até nos alçaram à condição
de modelo internacional
de crescimento sustentado.

Infelizmente, hoje sabemos
que aquelas circunstâncias nos
levaram a um entorpecimento
coletivo que nos tornou menos
críticos a políticas populistas e
mais tolerantes e inclinados à
procrastinação de reformas que,
como já se sabia, eram necessárias.
Afinal, se tudo parecia ir
bem, mudar o quê e para quê?

A sustentabilidade daquele
modelo de crescimento econômico
viria a ser testada com o estouro
da crise financeira internacional
em 2008. Mas a pronta implementação
de ambiciosas políticas
públicas contracíclicas
combinada com a continuação
da tendência de queda da taxa de
desemprego associada, sobretudo,
à demografia, nos levou novamente
a um entorpecimento
coletivo. O aumento de 7,5% do
PIB em 2010 num momento em
que a economia mundial contraía
foi a cereja do bolo para
consolidar a percepção exageradamente
otimista das condições
da economia.

Mas, como era de se esperar,
cedo ou tarde a novela de acelerações
e colapsos que tanto caracterizam
o nosso crescimento
de longo prazo viria a se repetir.
No quadriênio 2011-2014 a economia
desacelerou abruptamente
e a renda real per capita cresceu
modestos 0,5% ao ano. Ao
que parece, a economia seguirá
desacelerando e, muito provavelmente,
experimentará mais anos
de estagnação e até de queda da
renda real per capita.

Seriam os nossos problemas
econômicos atuais resultado da
conjuntura política, das políticas
públicas equivocadas e da miopia
dos últimos governos? Não restam
dúvidas de que sim, mas não
somente. Afinal, há evidências de
que, muito além de problemas
pontuais, internos e externos, a
estagnação também seria sintoma
da queda da capacidade da
economia brasileira de crescer.

De fato, análise mais cuidadosa
revela fortes constrangimentos
estruturais ao crescimento
sendo o primeiro, e talvez o mais
grave, a rápida mudança demográfica.
Esta, combinada com a
baixíssima e estagnada produtividade
do trabalho e com a crescente
pressão fiscal decorrente
do aumento dos gastos com a
previdência e com a saúde terão
profundo impacto negativo na
dinâmica do crescimento.

Segundo, o baixo estoque de capital
por trabalhador, a infraestrutura
deficiente e o acanhado desenvolvimento
e utilização de tecnologias
e inovações numa economia
integrada à economia global
já limitam, mas limitarão ainda
mais os resultados dos nossos esforços
em favor da prosperidade.

Terceiro, o agigantado setor de
serviços, no qual predominam atividades
de baixo valor adicionado
e produtividade, compromete a
produtividade sistêmica e, especialmente,
a competitividade in-
ternacional dos setores que mais
se utilizam de serviços enquanto
insumos produtivos, como é o caso
da indústria manufatureira.

Quarto, a desindustrialização
precoce e a reprimarização da
economia inibem a participação
do país nas cadeias globais de valor
e os incentivos em favor do
desenvolvimento tecnológico e
da produtividade.

Por fim, o crescimento da competição
internacional por um lugar
ao sol, a falácia da composição
e a nova governança global,
que limita o emprego de políticas
convencionais de desenvolvimento,
também estão aumentando
os nossos desafios.

Assim, parece improvável que
a eventual melhoria do quadro
político venha a ser suficiente para
alterar de forma significativa
as perspectivas do crescimento.

A realidade já está se impondo
e há cada vez menos espaço para
mais procrastinação. Daqui para
frente, se quiser crescer, o Brasil
terá que levar adiante uma vigorosa
agenda de reformas, inclusive
em campos politicamente
sensíveis, como o tributário, o
trabalhista, o previdenciário e,
acima de tudo, o da modernização
do Estado.

A escolha ainda pendente a
esta altura é a de quem pagará a
conta.

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Jorge Arbache é professor de economia
da UnB. jarbache@gmail.com

Fonte: Valor Econômico