Tendências e Debates:Educação financeira não é só coisa de adulto

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A educadora Cássia D’Aquino, autora da Coleção Educação Financeira, fala ao 'O&N' sobre a importância de falar sobre dinheiro com as crianças

Mariana Mauro
20 out, 2015

Num cenário de crise financeira, as políticas econômicas entram em debate. Entre cortes de despesas do governo e análise de gastos do país, resta saber se isso é um problema que também afeta a realidade dos muitos brasileiros que precisam pagar suas contas no fim do mês. Segundo um estudo feito pela Serasa Experian, dona do maior banco de dados de crédito do país, há atualmente 57,2 milhões de brasileiros inadimplentes. Este é o maior número já registrado desde que o levantamento foi criado em 2014. E neste panorama de saber ou não fechar as contas, qual a importância da educação financeira para as crianças de hoje?

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Quando a educadora Cássia D’Aquino criou, há vinte anos, o programa que levou a educação financeira para as escolas, a expressão “educação financeira” sequer existia em português. Sua coleção de livros sobre o assunto, que foi criada há sete anos e que atende crianças de 7 a 11 anos, é usada em escolas públicas e particulares de todo o país. A coleção tem livro para o aluno e para o professor. Segundo ela, é muito difícil mensurar resultados quando se fala de educação de crianças, por conta de ser um aprendizado a longo prazo. “O programa será sempre uma coisa acessória, coadjuvante aos que pais possam oferecer em casa.”

Histórias de sucesso

Contudo, o tempo trouxe histórias que a educadora lembra com orgulho. Ela conta que uma mãe ao sair da escola sempre entrava na banca para comprar alguma coisa, mas depois a filha passou a perguntar: “mamãe, a gente vem aqui todo dia por que você quer ou por que você precisa comprar alguma coisa?”.

E assim foram chegando notícias de que as crianças chegavam a casa com pequenas reflexões sobre o assunto, que por sua vez, acendia nos pais um interesse. “Quando a pessoa que mais pensa sobre isso tem 1,30m, os pais podem se sentir provocados a terem um comportamento um pouco diferente em relação ao dinheiro”, ela explica.

Um episódio que a marcou muito foi uma história que chegou via e-mail. Uma mãe de São Paulo escreveu que ela e o marido tinham, numa região muito pobre, um ferro-velho e que nos finais de semana, ela e as filhas iam para lá enquanto o marido trabalhava. Um dia, um dos livros da coleção apareceu no ferro-velho. A filha mais velha, de 8 anos, achou o livro, apagou tudo que estava feito e sozinha começou a responder todas as coisas. Não satisfeita, ela pegou a irmã de 4 anos e começou a dar aula para ela a partir do material. “Era exatamente o que eu queria: que fosse um material que a criança sentisse que eu estava falando com ela, e que fosse tão prazeroso, que ela por si só se interessaria pelo assunto. Eu acabei conversando com essa criança pelo telefone, mandei outros livros da coleção e foi uma história que me tocou muito.”

A educação financeira nas escolas

Cássia, no entanto, não é a favor de que educação financeira se torne uma disciplina obrigatória nas escolas. “Os professores estão sobrecarregados, a principal preocupação do Brasil deveria ser a baixa qualidade do nosso ensino. Quando a gente pensa que 75% da população brasileira, segundo o Instituto Paulo Montenegro, é analfabeta ou analfabeta funcional, isso deveria ser tema em todos os jornais. Se a escola não dá conta nem de ensinar a ler e escrever, eu acho que a gente devia se concentrar nisso antes de partir para tudo mais. Porque ler e escrever é o primeiro degrau, é o fundamento sobre o qual vai sustentar inclusive a educação financeira. Eu faço votos de que as escolas que estão usando os livros estejam nutrindo o básico e a partir disso, trabalhando com a educação financeira.”

A coleção faz um acompanhamento do que já é do currículo obrigatório. Logo, o professor insere a educação financeira ao trabalhar conteúdos que ele obrigatoriamente tem que tratar em geografia, por exemplo. “Eu tentei fazer este casamento. De uma forma que o professor possa usar a coleção não como mais alguma coisa que ele precisa fazer, mas como uma facilidade para que ele possa enriquecer o conteúdo.”

Mas será que os filhos conseguem passar seus aprendizados para os pais? “Eu não acho que é papel de filho ter que educar pai. Eu acho que isso é uma expectativa grave e muito comum de se ouvir. Você imagina se um adolescente, com 13, 14 anos, que acha que sabe tudo da vida, cismar que tem que controlar o orçamento da família, o que isso pode fazer com a autoridade dos pais. Dinheiro é um assunto importante, mas também não pode ser o assunto mais importante da vida de ninguém.”

Para a educadora, a educação financeira precisa provocar a reflexão crítica dos alunos em relação ao dinheiro, ao consumo, e sem querer atropelar, o que é da intimidade da família, sem ditar o que é o melhor para esta criança. “Eu já vi projetos em escolas que os pais tinham que mandar quanto ganhavam e quanto gastavam para ser analisado na escola. Isso é uma invasão absurda, é uma violência.”

Segundo ela, além da baixa taxa de alfabetização, outro problema brasileiro é a baixa taxa de poupança. “As políticas de governo notadamente nos últimos 13 anos ao invés de estimular a poupança como aconteceu no Peru, no Chile, na Colômbia, estimulou o consumo, que por sua vez, diminuiu ainda mais a capacidade de poupança. A baixa taxa de poupança deixa as pessoas muito mais vulneráveis em situações de sobreendividamento. As pessoas quando estão tomadas pelas dívidas, corroídas pela angústia, pensam muito pior.”

A educadora explica que normalmente quem define a melhor idade para começar a conversa sobre o dinheiro é a própria criança. “Ela faz isso por volta dos dois anos e meio. É a hora que elas pedem pela primeira vez aos pais que comprem alguma coisa. A partir deste primeiro ‘compra’, ela já entendeu que o dinheiro existe, que o dinheiro dá acesso a coisas divertidas e gostosas, e já entendeu que os adultos tem esse tal de dinheiro. Ou seja, ela passou dois anos e meio observando como os pais consomem.”

Coisa de adulto

A educação financeira no caso dos mais velhos é mais complicada. “À medida que a gente vai envelhecendo, a gente vai ficando cada vez mais tomado pelos próprios pontos de vista. E vai inventando uma porção de explicação para gente não mudar.” No entanto, ela acredita que os pais podem mudar na construção da educação dos filhos. “Se eu pudesse fazer um paralelo é que nem um pai fumante que não quer que o filho fume.”

Cássia acredita que de uma maneira declarada, todo mundo diz que quer mudar, mas nem todo mundo topa viver as consequências disso. “Quando os mais velhos resolvem realmente mudar, eles param de botar a culpa no país, no presidente, nos pais. A culpa não é de ninguém. Você foi fazendo isso. Agora trate de encontrar uma saída para isso. E para isso é preciso uma coragem imensa.”

Caro leitor,

Qual a importância de falar sobre dinheiro com as crianças? E você, sabe lidar com suas contas?