Rio (VIII): a educação financeira

http://oglobo.globo.com/opiniao/rio-viii-educacao-financeira-18441208

“A aventura é um sinal de incompetência” (Vilhjalmur Stefansson, explorador americano)

Hoje temos o nosso oitavo encontro deste nosso diálogo com os leitores acerca de questões para as quais temos que pensar desde já, com vistas à cidade que aspiramos ter depois das Olimpíadas de 2016. Neste espaço, já abordamos a necessidade de acabar com nossa tradicional complacência com a ilegalidade; a ausência de uma cultura de excelência; a (má) qualidade dos serviços; as questões de governança da Região Metropolitana; o tema do policiamento; a relevância das expressões culturais locais; e o tema da educação. Vamos tratar agora a importância do ensino de noções de educação financeira nas nossas escolas.

Sugiro ao leitor fazer um teste com os próprios filhos, se estiverem acabando a adolescência. Quantos deles podem, em termos razoáveis, responder às seguintes duas perguntas? Pergunta número um: quanto um indivíduo deve poupar por mês durante dez anos, a partir dos 20 anos, para poder adquirir um imóvel próprio no valor de R$ X aos 30 anos? Pergunta número 2: quanto ele deve poupar por mês, entre os 25 e os 60 anos, para ter uma renda complementar de, por exemplo, R$ 5.000 por mês durante 25 anos a partir de então? (Outros valores monetários podem ser considerados como múltiplos desses números). Respondo, com base na minha própria experiência: provavelmente, ele não tem a menor ideia. E, se isso acontece com os filhos da elite, podemos imaginar o que ocorre na média das escolas. Detalhe importante: não há nenhuma necessidade de ser economista para responder a essas duas questões. Basta o domínio apropriado de noções de Matemática inteiramente consistentes com o que se ensina na matéria para os alunos de ensino médio.

Viver não é uma aventura: exige planejamento. O Plano Nacional de Educação (PNE) está cheio de invocações aos direitos, à formação da cidadania e a outros termos muito bonitos. Entretanto, com a experiência de vida de mais de 50 anos, não tenho a menor dúvida de afirmar que poucas coisas são mais importantes para o exercício efetivo da cidadania de um ser humano do que estar adequadamente preparado para responder a essas duas questões. Por quê? Porque uma pessoa que esteja preparada para isso, primeiro, estará pronta para encarar uma série de outras questões para as quais uma boa base matemática é de uma ajuda fundamental; segundo, terá provavelmente uma melhor posição financeira, maior autoconfiança e maior satisfação com a (própria) vida; terceiro, ficará muito menos sujeita a ser vítima do juro especial ou do cartão de crédito; e quarto, terá uma velhice mais confortável.

Ir para a rua atacar o que está errado costuma ser um ingrediente importante da formação de uma pessoa. Isso é natural e, em geral, é positivo. Não sou exceção à regra: como tantos da minha geração, também fiz passeata e me orgulho disso. Faz sentido que o aluno vá para a rua — mas ele, porém, precisa também ser preparado para a vida. E, se não souber lidar bem com alguns elementos da Matemática, nem que seja intuitivamente — certas questões não requerem saber a resposta com duas casas decimais, e sim ter uma ideia de valor —, as suas possibilidades profissionais não poderão ser ampliadas, e há boa chance de que seja um adulto frustrado e um idoso com problemas econômicos.

“Preparar o cidadão do futuro” não pode ser um enunciado oco. O aluno que sai das boas escolas de nível médio nos EUA é preparado para discutir questões que dizem respeito a seu próprio futuro, tem ideia de quanto a universidade custará para os pais, tem noções acerca do funcionamento da bolsa e, desde o casamento, provavelmente começará a poupar para custear a educação dos seus filhos. Esse jovem, ao chegar ao mercado de trabalho, será uma águia.

A comparação com o que acontece em nossas escolas chega a ser cruel. Por isso, uma adequada educação financeira deve ser parte integrante do cardápio de propostas de uma agenda de mudanças para nossa cidade. Quando se pensa em que tipo de lugar gostaríamos de viver no futuro, esse deveria ser um ponto obrigatório da lista de temas que deveríamos priorizar com vistas a morar numa cidade cujos habitantes estejam antenados com as melhores tendências do mundo.

Fabio Giambiagi é economista